Quem já não se sentiu recentemente atraído ou não teve curiosidade em saber o que é IoT, Big Data, AI, Additive Technology, VR, BI ou outro termo da “Onda 4.0”, tentando imaginar como usar estas tecnologias em seu segmento de negócio ou simplesmente com medo de ficar de fora e ser rotulado de Jurássico? É o mesmo tipo de fenômeno que ocorreu e ainda ocorre com o TPS (Toyota Production System) e o Lean Manufacturing, onde um polo de curiosidade e atração foi criado com o jargão de metodologias cheios de acrônimos e palavras japonesas, como Kanban, Heijunka, 4S+S, Mieruka, FMDS… e não raro o conhecimento Lean é confundido com o conhecimento desta sopinha de letras. Neste artigo vamos ver que tanto a Revolução Digital da Industria 4.0 quanto o Lean Manufacturing vão além e forjam resultados de maneira sinérgica quando estrategicamente estruturados.
QUAL É O SEU PROPÓSITO?
Há algum tempo alguns amigos de um grupo de WhatsApp conversavam sobre melhores opções de compra de carros. Como trabalhava na Toyota, começaram a me perguntar detalhes sobre os veículos da marca. Como em quase todas as rodas de conversa (sobre qualquer assunto), sempre tem aquele que quer demonstrar que é especialista e começa a questionar alguns detalhes, desfilando seu “conhecimento” técnico. Em um determinado momento, alguém perguntou por que um determinado modelo compacto da marca não tinha VSC, ATC, pois alguns da concorrência tinham. Outro amigo não deixou barato e disse que em compensação já vinha com Dual-VVTi e HDMID. Neste momento perguntei a todos qual era o propósito que cada um tinha para seu veículo, pois os equipamentos fariam sentido de acordo com a expectativa que cada um tinha no uso de seu carro. Da mesma forma, ao olharmos nosso Business, temos que buscar o nosso propósito (para o que estamos aqui) e visão (onde e quando queremos chegar em um estado futuro). Se sabemos nosso ponto inicial (nosso estado atual), teremos a noção do que falta para chegarmos lá e somente aí iniciaremos a busca do como chegar lá. Só aí que entram as metodologias Lean e as tecnologias da Indústria 4.0. Ao se inverter essa lógica, com o foco nas técnicas, esta jornada se perde no caminho (aliás nem saberemos qual caminho a trilhar…). Neste ponto, é inegável que a evolução tecnológica está trazendo novas possibilidades e estabelecendo novos paradigmas de negócios e formas de interação com clientes, e é essencial a crítica do próprio modelo de negócios neste ambiente em severa transformação para que simplesmente a organização não pereça no meio desta jornada. É um pouco o que a Toyota fez ao declarar o final da Era do Automóvel e decretar o Início da Indústria da Mobilidade em seu foco de negócios, definindo claramente seu Propósito e sua Visão Futura. E você? Já pensou no seu Propósito?
EU TENHO MEU PROPÓSITO. E AGORA?
Sem sombra de dúvidas as tecnologias digitais convergentes como por exemplo o iOT, Clouding, Big Data, AI, 5G e Dispositivos Móveis, propiciam uma grande gama de novas possibilidades de negócios, ajudam a enxergar e analisar melhor nossos dados e trazem mais rapidez aos nossos processos internos, além de possibilitar tarefas anteriormente muito onerosas ou difíceis de serem executadas, com o uso de VR, AR e Tecnologia Aditiva por exemplo. Uma vez que você tenha seu propósito, um cuidado a tomar é criar uma crítica aos seus processos internos antes de automatizá-los e conectá-los digitalmente. Aí entram as velhas lições aprendidas do Lean e do TPS quanto à identificação e eliminação dos desperdícios. A combinação do Lean Kaizen com a transformação digital traz uma sinergia muito grande de resultados, mas por outro lado a digitalização de processos mal desenhados, mal conectados, que originalmente geram desperdícios, tem a capacidade de provocar uma aceleração destes desperdícios com o uso indiscriminado das tecnologias digitais. A revolução digital veio para ficar. Ela está já mudando a forma da sociedade se relacionar, e está transformando os modelos de negócio e as relações de consumo. Este fenômeno não terá volta, e a necessidade dos Processos físicos acompanharem a velocidade desta mudança torna mais relevante as vantagens competitivas de uma conjugação com uma jornada de transformação Lean. O conceito é fácil de entender. Por onde começo então?
SERÁ QUE ESTAMOS PREPARADOS? POR ONDE COMEÇO?
Todo o processo de transformação, seja Lean, Digital ou os dois juntos, tem basicamente os seguintes aspectos fundamentais:
1. Mindset e Governança da Melhoria e Inovação Contínua
Toda transformação pressupõe um processo contínuo de mudança, que tem que ser incorporado não como uma ruptura momentânea, mas como um elemento dentro do cotidiano do Negócio, que deve ser assimilado e gerenciado continuamente. No ano passado, um colega me perguntou quando essa onda de mudanças iria acabar. Não sei se minha resposta foi animadora, mas disse a ele que na minha ótica, a gente teria que esquecer os ambientes estáticos de trabalho e incorporar a dinâmica da mudança no dia-a-dia, como um surfista que nunca espera mar calmo e nem surfa contra a onda, e sim tira o melhor de si das ondas maiores… e sempre vai melhorando e procurando os maiores desafios.
2. Refinamento Cultural e Ativação de Competências que sustentem a Transformação
Tanto a transformação digital quanto a lean pressupõe a assimilação de novos valores e a crença no novo como um aspecto positivo e benéfico. Isto significa um processo de refinamento através da criação do senso coletivo de necessidade na transformação, liderança com fé genuína nas estratégias, o desenvolvimento do skill nas metodologias e tecnologias que suportam a transformação, a experimentação e um aspecto primordial que é a formação de um novo perfil de competências (soft skills) que sustentem este processo. Aspectos como resiliência, adaptabilidade e agilidade serão cada vez mais importantes. Todos os pontos acima não só devem ser tratados de forma genérica, mas terem planejadas e gerenciadas as ações para este Refinamento Cultural.
3. Criação ou Revisão das Estruturas de Sustentação do Negócio (Organização e Processos)
Este ponto toca muito forte na Transformação Lean. A revisão de organização e processos além da busca de agilidade, acuracidade e modelos enxutos sem desperdícios é uma precondição para a Transformação Digital, caso contrário, corre-se o risco de digitalizar o próprio desperdício. Por outro lado, ao se combinar a prática Lean com o Digital, os resultados passam a ser sinérgicos, impulsionando o processo de eliminação dos desperdícios. Desta forma, o emprego de algumas metodologias começam a fazer sentido, como o IMF/VSM e o TBP/LBP para a melhoria do fluxo de processo e eliminação do Muri, Mudá e Murá, e uso de IoT, Big Data, Análise e Decisão por AI, Sumarização por BI e outras tecnologias digitais como parte da solução para alcançar seu propósito.
4. Crítica e Revisão do seu Modelo de Negócios
Uma frase famosa e em especial muito batida nos dias de hoje, atribuída a Charles Darwin, diz que “sobrevive não o mais forte e nem o mais inteligente, mas sim o mais adaptável”. Na verdade, esta frase foi proferida em 1963 por Leon Megginson, Professor da Universidade Estadual da Louisiana (EUA) a respeito da Teoria da Evolução das Espécies e erroneamente atribuída a Darwin. A mudança repentina no ambiente de negócios ocasionada pela Revolução Digital pode ter um efeito cataclísmico em seu modelo atual de negócios, como foi a Era do Gelo para os Dinossauros. Uma guinada forte pode ser necessária para não perder a Arca de Noé da História. Muitas empresas, como a Blockbuster, gigante global no ramo de locação de filmes em DVD, deixaram simplesmente de existir por conta da evolução tecnológica. No caso, o cataclisma para eles foi a tecnologia de Streaming Digital, o que culminou em sua falência e extinção em 2011. Outras empresas mais precavidas, como a Toyota, já estão dando seus pulinhos para se adaptar aos novos tempos. No caso da Toyota, passando de montadora de automóveis para fornecedora de soluções de mobilidade, estabelecendo uma mudança forte em seus conceitos de negócio. E você? Está confortável com seu modelo de negócio?
5. Foco nos clientes em transformação
Sim, os clientes estão também mudando drasticamente seus hábitos e expectativas em função da transformação digital. Isto reflete não só no mercado de consumo, mas também nas relações B2B. O cliente espera cada vez mais respostas com maior rapidez, acuracidade, flexibilidade e capacidade de atender demandas mais customizadas, além de uma atenção e suporte mais personalizados. Isto vai demandar esforços não só das tecnologias digitais, mas de um processo interno muito bem esperto, sincronizado e sem desperdícios, e é claro, tudo isso calcado em uma estratégia baseada numa leitura clara da transformação daquilo que seu cliente espera, ou vai esperar daqui para frente, como resposta às suas demandas.
6. Monitorar o movimentos dos competidores
Em uma dinâmica de transformação, quem é mais esperto reage mais rápido na Dança das Cadeiras, portanto é importante vigiar o movimento da concorrência para não ficar para trás. O quadro de Players tem se Transformado muito com a própria transformação no foco de negócios, criando uma assimetria muito grande. Durante décadas por exemplo, a luta no mercado automotivo global teve jogadores muito bem definidos, como GM, Toyota, Ford e VW, só para citar os que estiveram sempre nas pontas. Com a mudança de foco para Mercado de Mobilidade, alguns novos entrantes como a Amazon, Google e a própria Tesla, que já estava na lista, mas lá embaixo na competição automotiva, vão desequilibrar esta equação com competências muito diversas do mercado automotivo tradicional, como tecnologias de AI em carros autônomos e tecnologias digitais de serviços de sharing e aluguel.
7. Ter habilidade no uso dos dados
Este é um ponto crucial onde se cruzam de novo o Lean e o Digital. A análise sistemática de dados, consolidação dos mesmos por métodos visuais (Mieruka) e a conexão disto com ações de controle, resolução também sistemática de Problemas e a Melhoria Contínua (Kaizen) são um dos Main Streams da Prática Lean. Os recursos de coleta automatizada, uso de Big Data, tecnologias de BI (Business Inteligence) e AI (Artificial Inteligence) potencializam a resposta da análise e decisão encurtando o tempo e trazendo mais assertividade, porém muitos param o processo na coleta e monitoramento dos dados, simplesmente acumulando os mesmos e não conectando o seu uso para causas `mais nobres` dentro da organização.
8. Domínio da tecnologia
Muitas pessoas me perguntam se é necessário que você se torne um especialista digital para enfrentar esta Nova Era. Da mesma forma que você não precisa ser um Especialista Lean para promover uma transformação Lean, não é preciso que você se torne um expert digital para encarar uma transformação digital em sua empresa. O que é necessário é conhecer o que cada Metodologia e Tecnologia são capazes de fazer em termos de resposta dentro do seu contexto de Negócios. É mais ou menos como o médico quando receita um remédio: não precisa saber exatamente como é formulado e nem produzido, mas tem que saber para que serve e como o princípio ativo age no Organismo, sabendo prescrever de acordo com a situação e tendo domínio de como o quadro do paciente vai evoluindo. Ou seja, o domínio tecnológico passa primariamente pelo conhecimento de por que usar, quando usar, quanto e como usar, como funciona e quais efeitos a tecnologia ou metodologia tem. De novo esbarramos em nosso propósito: sem um propósito, mesmo a mais avançada tecnologia do mundo não terá sentido algum. Tente analisar estes 8 pontos acima para verificar quanto sua Organização está preparada para se transformar, e talvez fique mais claro em quais pontos você tem vantagens competitivas e principalmente aqueles onde você terá que trabalhar mais duro e mais rápido para garantir seu lugar ao Sol num Futuro que pode estar mais próximo do que pensamos.
CONSTRUA O MAPA PARA SEU LUGAR AO SOL
Esta avaliação dos pontos fortes e fracos, além de um plano de curto, médio e longo prazo, devem ser consolidados e visualizados de forma que todos consigam enxergar qual o estado futuro que imaginamos e queremos para nosso negócio, e qual o caminho a ser trilhado a partir do ponto inicial, que em cada um dos 8 aspectos que vimos anteriormente, pode estar um pouco mais à frente ou bastante mais atrás, colocando tudo em um Roadmap visual para que absolutamente Todos possam visualizar, entender seu contexto, caminhar no mesmo sentido e na velocidade correta. Quem já conhece o Lean ou TPS já deve ter sentido o cheiro de Hoshin Kanri (Metodologia de Desdobramento de Diretrizes, Objetivos e Metas) no ar. De novo o exemplo de que a Transformação Digital tem sinergia se assistida e guiada por metodologias que vem da Cultura Lean. Esta percepção coletiva criada pelo Hoshin é muito importante nos momentos de Transformação, pois para todos será um Caminho nunca trilhado, e o desconhecido e o incerto normalmente trazem insegurança, ansiedade e desconforto, e o Hoshin será o GPS que trará mais confiança e tranquilidade sobre o caminho a seguir para chegar ao seu lugarzinho ao Sol, e as Tecnologias e Métodos deixarão finalmente de ser uma indecifrável Sopinha de Letras. Ah, e lembre-se que daqui para frente o seu lugarzinho ao Sol vai estar em constante mudança, então este é um processo que não vai ter fim.
Já vá se acostumando…
Edson Nagamachi, Diretor Sênior do Honsha.ORG, engenheiro metalúrgico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e Pós-Graduado em Especialização de Administração de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP / GVNext), com mais de 30 anos de atuação na Toyota do Mercosul e em todas as plantas produtivas da Toyota do Brasil, em Gestão de Projetos, Operações Industriais e Engenharia de Produção. Atuou como Diretor de Inovação e Indústria 4.0 na Toyota do Brasil, como Diretor nas unidades de São Bernardo do Campo e Porto Feliz, Gerente de Gestão de Projetos nas Toyotas do Brasil, Argentina e Venezuela, sempre com foco em concepção de fluxo e processos inovativos.
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